Dedicatória de José Saramago, no livro A Viagem do Elefante
Pais, mães, filhos, cães, gatos e até carros. As dedicatórias no início dos livros podem ter os mais inócuos destinatários e humanizam o escritor e as páginas que se seguem. O leitor, de forma geral, nem sabe quem é a pessoa referida, mas aquela breve demonstração de afeto pode guardar muito significado. Afinal, quando é que as primeiras páginas de um livro se tornaram num espaço livre para deixar mensagens?
Como em muitos pedaços da História, é preciso recuar até ao tempo dos Romanos. Ser escritor era um bocadinho diferente e não havia uma forma definida de tornar essa atividade em retorno monetário. Era preciso agradar às elites e esperar que alguém quisesse financiar e promover o trabalho. Nos séculos III e IV era comum haver uma espécie de carta no início dos livros a honrar os patronos. Noutros casos, a carta era dedicada a um membro da alta sociedade que desejavam que os patrocinasse – elogiavam-no com o objetivo de ter o seu apoio.
Mais de dez séculos depois, esta tradição continuava e chegou a tornar-se motivo de piada – quem escrevia fazia dedicatórias a quem estava no poder na altura, mesmo que representasse o oposto do patrono referido na dedicatória anterior. Esta pequena desonestidade estava em tudo relacionada com a natureza política destas relações: se queriam continuar a escrever e a vender, tinham de ser apoiados pelas pessoas mais poderosas na época. Também há registos de dedicatórias a figuras religiosas como a Virgem Maria. Nesta altura, as dedicatórias podiam ocupar mais do que uma página e incluir opiniões sobre atualidade, longos elogios ao patrono e reflexões do autor sobre a própria obra. Esta prática acabou por ser extinta quando a impressão começou a proliferar e nenhuma loja que oferecia esse tipo de serviço conseguia sobreviver só com dinheiro de patronos.
Sensivelmente desde 1750, as dedicatórias foram ficando mais curtas. Hoje, as dedicatórias são quase uma mensagem codificada. Um estudo publicado em 2006 analisou 600 livros que incluíam 812 dedicatórias. Cerca de 17% eram pais, 8% mulheres/maridos, seguidos de professores, filhos e amigos. A maior parte dos livros eram dedicados a apenas uma pessoa, mas mais de 67 eram dedicados a dez ou mais.
Ao longo dos séculos, houve uma clara mudança de propósito nestas (agora) pequenas cartas. Se dantes serviam para conseguir algum financiamento, hoje, segundo o estudo supracitado, os autores usam este espaço para expressar homenagem, prestar tributo ou agradecer apoio de quem os rodeia.
Comments